sábado, 2 de novembro de 2019

LEI E GRAÇA


"Levantando-se, Jesus perguntou a ela:
— Mulher, onde estão eles? Ninguém condenou você?
Ela respondeu:
— Ninguém, Senhor!
Então Jesus disse:
— Também eu não a condeno; vá e não peque mais".
(Jo 8.10-11 NAA)

Leia Jo 8.1-11

Aqui, mais uma vez, Jesus, nosso Senhor, se encontra em conflito com as lideranças religiosas do seu tempo. Jesus ensinava o povo que havia se reunido para ouvi-lo. De repente ele é interrompido bruscamente pelos líderes religiosos do povo, os escribas e fariseus, que de modo brutal empurram uma mulher pega em flagrante adultério, para o meio da multidão. Eles queriam que o Mestre caísse numa cilada; esperavam obter evidências suficientes para prender Jesus e tirá-los do caminho. Esses líderes, tão zelosos quando ao cumprimento da lei, no ímpeto de fazer Jesus cair numa cilada, descumprem uma exigência da própria lei: a lei ordenava que ambas as partes culpadas fossem apedrejadas (Lv 20.10; Dt 22.22), e não apenas a mulher. É estranho e suspeito que, ao pegar o casal em flagrante, tenham deixado o homem (que fazia parte do esquema) escapar. É muito suspeito que o adúltero tenha saído livre.

Vemos, nestes versículos, o contraste entre a benignidade de Cristo e a maldade do homem. A lei judaica requeria que os acusadores atirassem a primeira pedra (Dt 17.17). Quando diz: "Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar a pedra", Jesus não estava pedindo que os homens sem pecado julgassem a mulher - ele sabia que era o único nessa condição. Ele se referia ao pecado pelo qual se acusava a mulher, ou seja, o adultério, um pecado que pode ser cometido tanto no corpo quanto no coração (Mt 5.27-30). Os acusadores, agora acusados pela própria consciência, foram saindo silenciosamente, deixando Jesus a sós com a mulher adúltera. Jesus, então, a perdoa e lhe adverte a não pecar mais.

O fato de Jesus ter perdoado a mulher significa que, um dia, ele morreria pelos pecados dela. O perdão, embora seja gratuito, não é barato - custou o sangue do Filho de Deus. Aqui vemos a lei e a graça se complementando: a lei foi dada para expor o pecado e devemos ser condenados pela lei antes de sermos purificados pela graça do Senhor. Ninguém jamais foi salvo por guardar a lei, contudo, ninguém jamais foi salvo pela graça sem que antes tenha sido acusado pela lei. Deve haver convicção do pecado antes de haver a conversão. Pela lei, a mulher adúltera foi acusada e convencida do pecado; pela graça do Senhor ela foi salva e convertida ao Senhor.
(Felipe Catão)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Reflexões com Spurgeon #1




A MINHA GRAÇA TE BASTA


“A minha graça te basta” (2Co 12.9)

Se nenhum dos santos de Deus fosse humilhado e sujeito às provações, não conheceríamos tão bem nem metade das consolações da graça divina. Quando encontramos um andarilho que não tem onde reclinar a cabeça, mas que pode dizer: "mesmo assim confiarei", ou quando vemos um pobre necessitado de pão e água que ainda se gloria em Jesus; quando vemos uma viúva enlutada assolada por aflições e ainda tendo fé em Cristo, oh! que honra isto reflete no evangelho. A graça de Deus é exemplificada e engrandecida na pobreza e nas provações dos crentes. Os santos resistem a todo desalento, crendo que todas as coisas cooperam para o seu bem, e que, entre todas as coisas aparentemente ruins afinal florescerá uma verdadeira bênção - que, ou seu Deus operará um rápido livramento, ou, com toda certeza, os sustentará na provação, enquanto assim Lhe aprouver. Esta paciência dos santos prova o poder da graça divina. Há um farol em alto mar: a noite está calma - não posso dizer se sua estrutura é sólida ou não; a tempestade precisa desabar sobre ele, e só assim saberei se continuará em pé. Assim é com a obra do Espírito Santo: se ela não fosse cercada por águas tempestuosas em muitas ocasiões, não saberíamos que é forte e verdadeira; se os ventos não soprassem sobre ela, não saberíamos o quanto é firme e segura. As obras-primas de Deus são aqueles homens que permanecem firmes, inabaláveis, em meio às dificuldades:

"Calmo em meio ao choro transtornado 
Confiante na vitória."

Aquele que quer glorificar seu Deus deve ter em conta o enfrentar muitas provações. Nenhum homem pode ser reconhecido diante do Senhor a menos que suas lutas sejam muitas. Se, então, o teu for um caminho atribulado, regozija-te nele, pois mostrarás o teu melhor diante da toda-suficiente graça de Deus. Quanto a Ele falhar contigo, jamais penses nisto - odeia este pensamento. O Deus que foi suficiente até agora, o será até o fim.
(Charles H. Spurgeon)

Fonte: Morning and Evening (Devocional vespertina do dia 04 de Março)

Tradução: Mariza Regina Souza


terça-feira, 15 de janeiro de 2019


DO JEJUM




“Os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando. Algumas pessoas vieram a Jesus e lhe perguntaram: ‘Por que os discípulos de João e os dos fariseus jejuam, mas os teus não?’ Jesus respondeu: ‘Como podem os convidados do noivo jejuar enquanto este está com eles? Não podem, enquanto o têm consigo. Mas virão dias quando o noivo lhes será tirado; e nesse tempo jejuarão. Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, pois o remendo forçará a roupa, tornando pior o rasgo. E ninguém põe vinho novo em vasilhas de couro velhas; se o fizer, o vinho rebentará as vasilhas, e tanto o vinho quanto as vasilhas se estragarão. Pelo contrário, põe-se vinho novo em vasilhas de couro novas’ ”.
(Mc 2.18-22 NVI)

O fato do Mestre comer com os pecadores, suscita uma discussão entre os religiosos da época, e Jesus. Para esses religiosos, que se consideravam justos e salvos por obedecerem as Leis e as tradições da época, era inadmissível passar perto de pessoas rejeitadas por Deus, pior ainda era sentar-se ao seu lado na mesa, comer com elas, partilhar o pão com elas, con-viver com elas. E Jesus os cala: "Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar justos, mas pecadores" (Mc 2.17b).

Agora o seu modo de jejuar é questionado. O Mestre é questionado sobre o por que seus discípulos não jejuam, como fazem os discípulos dos fariseus e, inclusive, os discípulos de João Batista. No melhor estilo socrático ele rebate: "Como podem os convidados do noivo jejuar enquanto este está com eles" (v.19). Na tradição bíblica do antigo testamento, a figura do noivo simboliza o próprio Deus no meio do seu povo. O que Jesus afirma é que, estando Ele, o próprio Deus encarnado no meio dos discípulos, não há necessidade para jejuar - ao contrário, é preciso celebrar a alegria, partilhar sua presença. Dias virão em que o noivo será retirado, aí sim o jejum se faz necessário (cf. v20). Marcos ensina à sua comunidade que o jejum não pode ser encarado como uma prescrição legal, como faziam os fariseus (e até os discípulos de João Batista), tampouco pode ser uma ação vazia que busca mérito pessoal. Ele tem um novo significado: o de buscar harmonia com Deus, buscar iluminação quando houver escuridão, preenchimento quando houver vazio. O jejum tem o sentido de criar intimidade com Deus. Por isso, não se faz remendo de pano novo em roupa velha ou se coloca vinho novo em odres velhos. O novo não pode ser misturado com o antigo, quem foi liberto não pode voltar a ser escravo.

A questão feita a comunidade de Marcos nos é feita hoje também: por que jejuamos? Qual o sentido do jejum para nós? Para muitas igrejas ditas cristãs, o jejum tem o mesmo sentido que tinha para os fariseus, ou seja, de buscar seguir uma tradição, a busca de mérito pessoal, é a tentativa de alcançar um propósito, quase sempre material ou afetivo. Ou seja, é uma ação vazia, rica se teologia, cheia de significados, mas vazia do Espírito de Deus. E pra você, qual o sentido do jejum?
(Felipe Catão)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Reflexão/Devocional #2




Cristo: o tesouro oculto

“O Reino dos céus é como um tesouro escondido num campo. Certo homem, tendo-o encontrado, escondeu-o de novo e, então, cheio de alegria, foi, vendeu tudo o que tinha e comprou aquele campo. O Reino dos céus também é como um negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo o que tinha e a comprou”.
(Mt 13.44-46 NVI)


Essas duas parábolas ilustram o enorme valor do Reino de Deus, a imensa alegria que ele dá àqueles que, pela Graça, o encontram e a disposição que eles têm de abandonar tudo para ganhá-lo. Como um homem que encontra um tesouro ou como um comerciante que negocia pérolas, aqueles que percebem o valor do Reino sacrificarão tudo para obtê-lo. Embora as duas parábolas salientem o enorme valor do Reino, elas diferem levemente em alguns pontos. A primeira destaca que o valor do Reino está oculto na maioria das pessoas e que, às vezes, é descoberto por acidente; a segunda descreve uma pessoa (um comerciante de pérolas) que o está buscando intencionalmente. Fica claro, nas duas parábolas, que Deus levas as pessoas ao seu Reino por diferentes meios.
O pecador que encontra o Reino tem sua vida transformada. Portanto, o único sinal seguro de que a Palavra de Deus salvou um pecador é sua vida transformada. Transformada interiormente, pois o pecador convertido considera Cristo como sua maior fonte de alegria e seu tesouro; exteriormente, pois o convertido produz frutos.
Como o Evangelho tem transformado você? Como o está transformando nesse momento?
(Felipe Catão)



segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Reflexão/Devocional #1



Fé e discipulado na experiência cristã

“Naquele dia, ao anoitecer, disse ele aos seus discípulos: ‘Vamos atravessar para o outro lado’. Deixando a multidão, eles o levaram no barco, assim como estava. Outros barcos também o acompanhavam. Levantou-se um forte vendaval, e as ondas se lançavam sobre o barco, de forma que este foi se enchendo de água. Jesus estava na popa, dormindo com a cabeça sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e clamaram: ‘Mestre, não te importas que morramos?’ Ele se levantou, repreendeu o vento e disse ao mar: ‘Aquiete-se! Acalme-se!’ O vento se aquietou, e fez-se completa bonança. Então perguntou aos seus discípulos: ‘Por que vocês estão com tanto medo? Ainda não têm fé?’ Eles estavam apavorados e perguntavam uns aos outros: ‘Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?’.”
(Mc 4.35-41 NVI)

Esta cena do Evangelho, tanto em Marcos, quanto em Mateus (Mt 8.23-27) e Lucas (Lc 8.22-25) fala muito sobre a fé e o discipulado (o relacionamento do discípulo com Jesus, o Mestre). Especificamente aqui em Marcos, Jesus dá a oportunidade de os discípulos mostrarem que já o conhecem pelo que ele realmente é. Os discípulos participaram dos segredos do Reino (cf. Mc 4.1-34) e estiveram com Jesus quando ele curou toda sorte de doença e expulsou demônios (caps. 1-3). Agora estão com ele no mar revolto. Jesus dorme (v.38), e depois dos discípulos verem tudo que ele fez pelos outros, pelos necessitados pensam que ele não se importa com eles: “Mestre, não te importas que morramos?” (v.38c). O mar pode simbolizar as forças caóticas do mundo aliadas contra Deus e que, consequentemente, estão aliadas contra os discípulos, que se sentem amedrontados por elas. Jesus dormindo no barco, em meio ao vendaval, pode simbolizar, também, o silêncio de Deus que tanto nos amedronta e assusta. Em Mateus, os discípulos clamam, em forma de oração: “Senhor, salva-nos! Vamos morrer!” (Mt 8.25b). Jesus responde ao clamor dos discípulos acalmando o vento e o mar: “Aquiete-se! Acalme-se!” (v.39b), revelando Sua soberania sobre as forças caóticas do mundo e o Seu poder sobre a História. Depois de acalmar a tempestade, Jesus se volta para os seus discípulos (e para os leitores de Marcos, o que nos inclui) e questiona: “Por que vocês estão com tanto medo? Ainda não têm fé?” (v.40). A única resposta que os discípulos conseguem dar é, através de uma pergunta: “Quem é este?” (v.41b). Jesus, através do Evangelho de Marcos, quer que seus discípulos, com o conhecimento que possuem sobre toda a sua vida, tenham certeza da proteção dele nos tempos de confusão, tensão e incerteza. Jesus, mais que um grande temor, pede uma fé profunda e imediata de todos os que se esforçam para compreender o sentido da sua vida, morte e ressurreição, em sua experiência cotidiana de uma vida cristã.
(Felipe Catão)

domingo, 6 de janeiro de 2019

O verdadeiro cristianismo



“Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes. Por sua decisão ele nos gerou pela palavra da verdade, para que sejamos como que os primeiros frutos de tudo o que ele criou. Portanto, livrem-se de toda impureza moral e da maldade que prevalece, e aceitem humildemente a palavra implantada em vocês, a qual é poderosa para salvá-los. Sejam praticantes da palavra, e não apenas ouvintes, enganando-se a si mesmos. A religião que Deus, o nosso Pai aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo”.
(Tg 1.17-18.21b-22.27 NVI)

A carta de Tiago tem uma característica peculiaríssima: ela se opõe a um tipo de religião que foge dos compromissos existenciais e humanos para se refugiar no ritualismo, justificando as injustiças a partir de discursos mágicos e míticos ou fechando os olhos diante delas. Contrastando dois tipos de religião, Tiago nos diz o que é a verdadeira religião e o que é a falsa religião: a falsa religião é a religião sem ramificações na vida do fiel. Ao passo que a religião verdadeira reconhece a ponte entre aliança da fé e aliança do amor.

Os poucos versículos retirados do capítulo 1 (os versículos acima), comprovam isso. Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que todos os dons vem de Deus. E entre esses dons está a vocação cristã. Ora, como diz o versículo 17, em Deus não existe variação nem sombra de mudança. Por isso, pertencer a Deus, enquanto criatura e, ainda mais, como cristão, comporta coerência e continuidade com o projeto do Senhor da Vida, animado pelo Espírito. O anúncio do Evangelho – Palavra da verdade – que provocou mudanças na vida cristã, faz com que os cristão sejam os primeiros frutos (as primícias) da nova sociedade que nasce da prática de Jesus e do compromisso dos que aderem a ele.

Tendo isso como base, Tiago convida a comunidade do Cristo ressurreto a acolher a Palavra e a colocar em prática o que ela determina (vv. 21b-22) para merecer o nome de cristãos. Isso está em estreita relação com as exigências que o próprio Jesus fez a seus discípulos em Mt 7.24-26.

No tempo em que essa carta foi escrita, as comunidades cristãs arriscavam fechar-se em si mesmas, sem qualquer compromisso com a transformação da sociedade. Bem como hoje muitas igrejas tem se fechado em si mesmas, nos seus ritos de edificação, eliminando do seu seio do que é considerado nocivo pela moralidade ascética criada por elas. A centralidade da vida cristã, nestas igrejas, não tem sido Cristo – as próprias igrejas tem ocupado o centro da vida cristã. Nesse sentido, tanto a missão quanto a própria fé tem sido sufocadas por essa lógica igrejista.

O Deus morto, de Nietzsche (que irrita muitos cristão que se consideram muito piedosos) faz todo o sentido para essas igrejas e para os “cristãos” igrejistas. Como bem escreveu Käsemann:

“Em muitos lugares os cristãos se sentem chocados com o slogan do Deus morto, pelo qual, aliás não se pode responsabilizar nenhum crente em particular. Deveríamos reconhecer, contudo, que a sua causa principal se encontra em nós mesmos. Ele se torna inevitável quando os que se dizem cristãos, deixando de prestar culto a Deus na realidade do cotidiano, se refugiam nas igrejas e em ritos edificantes. Quem despreza a realidade, por pouco que seja, trata o Criador e Pai de Jesus como morto, mesmo que não abandone os atos de culto, seja externos, na igreja, seja os internos, no próprio coração. Deus morre toda vez que os seus servos fogem da realidade exigida por ele. Também isso se pode aprender olhando para a cruz”.
(KÄSEMANN, Ernest. Perspectivas paulinas – 2.ed. – São Paulo: Editora Teológica, 2003, p.67)

Tiago insiste: “A religião que Deus, nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” (v. 27). Em síntese, religião é solidariedade com os marginalizados (representados como os órfãos e as viúvas) e ruptura com as estruturas de pecado que geram marginalização (não se deixar corromper pelo mundo). Não se comprometer com uma estrutura de poder ou com uma política que retira direitos dos menos favorecidos, que descarta como inúteis aqueles que não são mais considerados produtivos, que exclui e marginaliza os que são diferentes dos padrões forjados socialmente. Deus nada pede para si. O autêntico relacionamento com ele passa pelo caminho necessário da fraternidade e da justiça. Como obter maior fraternidade e justiça em nossas igrejas e comunidades? Quais ritualismos e tradicionalismos impedem o cumprimento da vontade de Deus?
(Felipe Catão)


LEI E GRAÇA

"Levantando-se, Jesus perguntou a ela: — Mulher, onde estão eles? Ninguém condenou você? Ela respondeu: — Ninguém, Senhor! ...